8 de agosto de 2007

O PROBLEMA DA RUTEMARLENE

De todo o lado me chegam convites para abrilhantar feiras do livro, colóquios,etc, etc.
É lisongeiro, dirão.
Não.
Pedem-me, como aliás pedem a toda a gente, que nos metamos no carro, façamos 100, 200, 300 quilómetros para lhes ir abrilhantar a festa, de borla. Que interrompamos o nosso trabalho, as nossas férias, o nosso tempo com a família e partamos para os locais mais afastados sem receber nada em troca. Tipo missão.
Quando se lhes pergunta quanto é que estão a pensar pagar-nos pelo nosso esforço, respondem-nos, friamente, "que não estava previsto". Que o dinheiro foi todo para os cantores, pimbas ou não, para pagar às gráficas ou para o salário da pessoa que organiza.
Num país sem ministério da cultura, em que se ganha misérias com a venda dos livros basta fazer contas a uma deslocação dessas: 10% de um livro que custe 15 euros=1,5 euros x 20 livros- que é o que se assina numa coisa dessas, com sorte - é igual a 30 euros antes de impostos. Ou seja, uma deslocação de centenas de quilómetros, mais gasolina e portagens, mais um dia de trabalho perdido por 30 euros? É este o valor que nós temos para uma vereação de cultura, ou para um organizador de feira de livro?

O que acontece é que os melhores escritores ficam em casa. Naturalmente. Sobram os que têm vergonha de dizer não e os menos conhecidos, que ingenuamente pensam que esta participação lhes "irá abrir portas". Não vai. Enquanto deixarmos que nos tratem como lixo não se abrirá coisa nenhuma. Nós não somos lixo.
E quem paga 10.000 euros ou mais a um cantor pimba também pode arranjar 200 euros para pagar para essa coisa banal que é a Cultura.
Haja vergonha!

10 comentários:

Daniel J. Skråmestø disse...

Não sei se já sabias, mas entras na nova edição portuguesa do Trivial Pursuit com a pergunta:
"Qual é o autor de "Agarra-te ao meu peito em chamas"?

Aposto que não há perguntas em que a resposta seja Rute Marlene... serve de consolo?
;-D

Anónimo disse...

Já tinha sido informada dessas situações... mas nunca deixo de me espantar...

Há que começar a perceber que os escritores levam cachet!!!!

Anónimo disse...

Olá Possidónio

Este post enoja-me. Ao fim e ao cabo, o que tem um escritor a mais do que um cantor? Ou do que um pintor? Ou do que um estucador? Ou do que um calceteiro, ou do que uma costureira, ou do que um hortelão?
Essa malta esquece-se que muitos dos que vivem na arte, vivem também da arte, e a única arte de que se pode viver é aquela que interessa às massas (pimbas ou não), e além disso tens que alto e espadaúdo, bonito...
Isso dos 10% de que falas é mesmo verdade? É chocante!!!
Acabei mesmo agora de ler o MAR POR CIMA, e julgo que merecias da bem mais do que 1 euro e meio por cada exemplar. Não há formas (outras editoras, etc) de um escritor ser melhor recompensado? (talvez seja uma pergunta ingénua...)
E isso da missão é verdade, e passa-se em muitos sítios! Voluntariado à força!!

Grande abraço

Anónimo disse...

Infelizmente, este é o país em que vivemos... Tenho estado a aperceber-me das dificuldades que um escritor tem em "vingar" neste país das Rutemarlenes!O meu marido(José Ceitil)escreveu um romance("Vidas Simples Pensamentos Elevados"), edição de autor, por não ter conseguido uma editora, e agora, a maior dificuldade é pô-lo à venda nas livrarias ou grandes superfícies, precisamente por não estar ligado a uma editora e por serem espaços "exclusivos" das mesmas- de salientar que, das "grandes", a Bulhosa abriu-lhe as portas, permitindo-lhe deixar alguns exemplares que até têm tido saída.
Em relação aos convites que o Sr. Cachapa tem recebido para abrilhantar determinados eventos à borla, acho muito bem que não os aceite! Paguem para o Sr aparecer, da mesma forma que pagam às Rutemarlenes!Afinal, o Sr até deixa um legado cultural e, com elas, não me lembro alguma vez tem aprendido alguma coisa...
Sou assistente de bordo à cerca de 20 anos e, apesar de viajar muito, estou sempre doida para voltar ao nosso Portugal pequenininho, onde sei que vou pedir livro de reclamações, vou emendar os "deiam-me", os "hádes-me", os "guês", vou criticar, creio que, na esperança de "entregar" esta herança aos meus filhos sem peso na consciência e sabendo que me esforcei.Apesar de tudo isto, continua a ser o meu país de eleição para viver com os meus filhos, pelos brandos costumes, onde felizmente "nada" acontece e, em matéria de segurança estamos bastante melhor que uma boa parte dos países por mim constantemente visitados- Brasil, Estados Unidos, Venezuela, França, Inglaterra...
Para terminar, quero dizer-lhe como entrei no seu blog:
Pesquisei no Google "cachapa" e, para além daquela espécie de tiras de milho muito típicas na Venezuela, onde porta sim, porta sim se chamam "Cachapa" qualquer coisa,vi que estava o escritor P.C., o qual já conhecia e não resisti a entrar no seu blog.
Muitos parabéns!Gosto muito da sua escrita!
Ah, a propósito: o meu nome é Cachapa, Sandra Cachapa!!!

P. C. disse...

Olá a todos!
Daniel, o que acho mais divertido na questão do trivial pursuit é a citarem o "Segura-te..." como "Agarra-te...", aliás, o nome que eu tinha inicialmente e os editores acharam "pouco elegante" :. Eu cedi, mas o livro não.
Quando comecei a publicar no final dos anos 90 achava esquisito que autores mais conhecidos não saíssem de Lisboa ou pedissem compensação monetária. Ouvi comentários muito desagradáveis de organizadores de eventos, referindo-se ao Pedro Paixão ou ao Zink, só para citar dois nomes conhecidos.
E fiz como toda a gente: palmilhei milhares de quilómetros, a troco de almoço, não para vender mas para estar, partilhar com os meus leitores que vivem longe. Mas rapidamente me apercebi que não passávamos de mais um nome, para feira de livros e bibliotecas. Éramos nós, mas se fosse outro qualquer era igual.
Sim, de Espanha só nos convidam quando já orçamentaram as coisas. Remuneração do escritor incluída. E parece-me simples e justo.
Quanto aos 10%... pode ser menos, em muitos casos 8%. E se o livro for infantil será de 5% para o escritor e 5% para o ilustrador.
Sobre as "Cachapas" :) sugeria um vídeo que eu coloquei aqui há algum tempo. Delicioso em vários sentidos. Basta fazer a busca na página.
E termino com a ideia de que não somos mais do que uma costureira ou um hortelão. Precisamente. Somos iguais. Daí que quando se pede a um artesão da escrita, específico, em vez de outro, é porque se quer receber aquilo que só ele nos pode dar. E isso, como diria S.Paulo, merece o justo salário.
Um abraço geral.

Anónimo disse...

Então, e entre os melhores escritores, os que têm vergonha de dizer não, e os menos conhecidos, não existe aí uma franja dos que apenas já se fartaram?...

P. C. disse...

Sim, existe. Mas pelo meu conhecimento não se fartaram do encontro com os seus leitores. Pelo contrário, esse é um momento bastante querido de todos. Fartaram-se de ser tratados abaixo de cão... ainda que com um pedigreezito ;)

Daniel J. Skråmestø disse...

Por acaso isso do "Agarra-te" em vez do "Segura-te" é capaz de ser só deslize meu a citar o título de memória... é que de facto Agarrar fica muito melhor que Segurar!

Quanto ao resto do que aqui se discute o que verdadeiramente me dá pena é as alturas em que os organizadores de eventos ligados ao livro julgam que é suficiente chamar o autor para gatafunhar o seu nome num livro. Resulta em boas vendas quando o autor é uma celebridade mas mesmo nesses casos não é a melhor maneira de aproximar o público do escritor.
Curiosamente, nos meus 15 minutinhos de fama devo ter tido muita sorte porque na maior parte dos casos em que me chamaram para feiras do livro, fizeram-me entrevistas ao vivo ou para rádio, puseram-me a ler histórias, dramatizaram a minha história infantil com fantoches e pagaram-me sempre as viagens, as estadias e os almoços.
As excepções a esta regra foram as feiras do livro de Lisboa e Porto.

Anónimo disse...

tens razão,Possidónio.haja vergonha. um abraço JPN

Anónimo disse...

eu não sou escritora, mas, pensando bem, até tens razão. e já agora,, em tom de desafio pá cachapa peru-ca, my name is sandra paxaxa :)